Abria meus olhos, olhava o teto, levantava, ia ao banheiro, me arrumava, descia aquelas escadas, que parecia interminável, pegava minha bicicleta da Caloi, uma Ceci rosa, com rodas enormes e finas, com uma cesta na frente, sempre que tentava passar por aquela porta de ferro, com a janela quebrada, eu ficava pressa, e sempre o meu vizinho me ajudava a passar.
Ao sair da rua, colocava meus fones, colocava Chico Buarque, e começava a pedalar na ciclovia da avenida mais agitada, em todos os lugares que passava eu via as mesmas pessoas, como naquele posto velho com a aparência de estar abandonado de faixas com cor de água de salsicha, lá tem o seu José, que sempre que eu passo ergue o seu boné da Goodyear, e depois coça sua barriga, ou como a padaria nova que abriu na esquina, lá tem a dona Lourdes, que sempre que passo levanta aquele saco quente de pão para eu passar lá para pegar. Mas tinha um lugar com uma pessoa que me chamava atenção, era na pedra com musco embaixo, e alguns desenhos rabiscados com grafite, e no topo estava branco era onde o homem de cabelos ruivos, olhos pretos, dos braços fortes, do perfume marcante, sentava.
Todos os dias ele ficava lá, e quando eu passava ele me seguia com o olhar profundo dele, e quando virava a esquina, com uma curva fechada, eu olhava para ele e ele balançava a cabeça como se estivesse me cumprimentando, não vou negar ás vezes eu sorria, gostava de ser lembrada ou até adorada.
Meu dia se repetia, mas um dia eu acordei e não olhei para o teto, olhei para a comoda do lado da cama, me levantei e em vez de ir direto ao banheiro, abri as janelas e aspirei aquele ar limpo, vi as luzes se apagando uma por uma, vi o sol raiar, vi os primeiros raios de sol do dia, senti a brisa entrando em meu quarto, e então fui ao banheiro me arrumar, desci as escadas e pela primeira vez abri a porta de ferro e passei minha Ceci Caloi, e quando eu coloquei meus fones, a música não era de Chico Buarque, era de Vinícius de Moraes, e em vez de sair com a cara de sono, em meu rosto modelava um sorriso, de um jeito que me assustava, ao passar pelo posto, seu José me olhou e deu um sorriso, e piscou, ao passar pela padaria dona Lourdes em vez de mostrar pães ela me mostrou uma caixinha de isopor com brigadeiros, e quando passei pela pedra, lá estava o homem ruivo me olhando, e como todos os meus dias eu ia passando reto, então ouvi uma voz grossa, uma voz aveludada, que conseguia fazer o som de meus fones ficassem baixo, eu parei minha bicicleta, e me virei, não tinha escutado o que alguém falou, mas algo me dizia que era comigo, tirei meus fones e me virei, vi o homem me olhando e nada mais.
Continuei a pedalar, virei a esquina e novamente ouvi alguém gritando com o mesmo tom de voz, e me virei e o homem estava lá ofegante, algumas gotas de suor em sua testa, mas mesmo assim seu sorriso não saia do rosto, ele se apoiou ao joelho, tirou a jaqueta de moleton cinza, tirou do bolso um pano e limpou seu rosto, olhou para mim com aqueles olhos profundos e me disse:
-Não queria que fosse assim ! Não eu todo suado e você assustada!
Tirei meus fones, e continuei a encara-lo, analisei seus músculos dos braços, e sua pele a radiar a luz do Sol, e ele continuava a se explicar, ofegante, mas mesmo assim elegante:
-Já faz alguns meses, não me lembro exatamente quantos meses, mas sempre te vejo a passar de bicicleta nessa rua, e a primeira vez que te vi você vestia um casaco enorme roxo, com uma calça preta e uma bota, aquilo me encantou
Ele falava e eu tentava lembrar que dia que o vi pela primeira vez, eu sempre notava ele, mas sempre olhava em seus olhos, algo me chamava atenção, ele era realmente bonito, mas algo em seu olhar me chamava atenção.
-E então comecei a perceber que passava sempre por aquela pedra as nove e quinze toda manhã, então comecei a espera-la para adimira-la, não sou maniaco ou algo do tipo, mas algo me chamou atenção em você, sonho com você, e o estranho é que nem sei seu nome !
Dei um sorriso timido, já estava sentindo meu rosto queimar, e em um sussuro disse meu nome:
-Lilian ! Meu nome é Lilian !
Ele sorriu, passou a mão em seus cabelos ruivos penteado para trás, estiquei minha mão para cumprimenta-lo e ele a beijou, senti minhas pernas tremerem, ficamos muito tempo conversando, sentei no meio fio daquela rua pouco movimentada, e ficamos conversando, seus olhos tinham brilhos das estrelas que raramente brilhavam naquela região, seu perfume lembrava a brisa que naquela manhã sentiu em seu rosto, e seus cabelos lembravam os raios de sol alaranjados que amanheciam.
A lua brilhava, as poucas estrelas já brilhavam no céu azul marinho, ele se levantou pegou minha mão e me ergueu, foi até a minha bicicleta, e fez eu enganchar em seu braço, e assim fomos, eu segurando seu braço e ele empurrando minha bicicleta, ele não ligava se a bicicleta era uma Ceci rosa, ele ainda continuava com aquele sorriso. Ao chegar em meu prédio, ele passou com a bicicleta e subiu comigo até a porta de meu apartamento, quando fui me despedir, estendi minha mão, sabia que estava com vontade de beija-lo, mas seria e estranho beijar alguém que eu acabava de conhecer, ele pegou minha mão e me puxou, me beijando de surpresa, foi tão maravilhoso, ainda tonta disse tchau e entrei, ouvi ele descendo as escadas, pulando alguns degraus, e fechando a porta, e da minha janela vi ele fazendo a cena de “ Dançando na Chuva”.
No dia seguinte, eu não olhei para o teto, e nem para a comoda olhei para o travesseiro do lado oposto, mas o restante aconteceu como havia acontecido no dia anterior, mais ao passar pela pedra vi uma faixa escrito “ Sonhei com você ! E no meu sonho a resposta era sim: Lilian fica comigo pro resto de minha vida ?”
Freei minha bicicleta, todos os olhares estavam para mim, seu José estava com o boné na mão e coçando os poucos cabelos que ainda restam, dona Lourdes apertando as mãos contra os rosto fazendo um gesto fofo, meu coração acelerava, mil perguntas passavam pela minha cabeça ' O que devo responder ? ' ' Por que ele não está aqui ? ' ' Não é cedo demais!'
Fiquei um tempo analisando aquela faixa, quando me virei lá estava ele com um buque de rosas vermelhas, abracei ele e em meu ouvido ele disse “ Não há o que temer, sou sincero pelo que sinto, ontem te beijei porque algo me dizia que era pra fazer isso, e algum tempo meu sonho era isso, mas vou entender !”
Minha mente dizia “ Vamos com calma !” mas meu coração gritava “ Algo me diz para aceitar”. E como todas as pessoas agi pelo coração, e em um grito disse “ É claro !”
Algo me dizia, algo dizia a ele, esse algo eu chamo de destino.
By.: Thata